terça-feira, 12 de março de 2024

Moderação como estratégia para o Governo Lula 3?

Lula discursa na COP27 — Foto: Ahmad Gharabli/AFP


* Artigo originalmente publicado pelo site Sagarana Notícias em 10/03/2024.

O governo Lula 3 tem demonstrado um compromisso importante com a melhoria das condições de vida dos brasileiros. Prova disso é o aumento recorde na renda do trabalho, que alcançou um crescimento de 11,7% em 2023. 

O país testemunhou, em 2023, uma expansão econômica relevante - sob a desconfiança inicial do FMI e de analistas internos -, refletida não apenas nos números do PIB (2,9% de crescimento), mas também na queda do desemprego (a taxa média de desocupação no Brasil fechou o ano de 2023 em 7,8%, a menor desde 2014) e no aumento do poder de compra da população. As políticas implementadas, incluindo o fortalecimento do Bolsa Família (como a criação do “Benefício Primeira Infância”, no valor de R$ 150 por criança de até 6 anos) e o aumento do salário mínimo acima da inflação (aumento de 7%, enquanto a inflação ficou em 3,85% em 203), são testemunhos do compromisso do governo com a inclusão social e a redução da desigualdade. 

Para assegurar que esses avanços sejam duradouros e resultem no apoio contínuo da população ao governo, é fundamental que a comunicação governamental seja mais assertiva e que o presidente adote uma postura menos polêmica em suas declarações. 

Elio Gaspari, em sua coluna deste sábado (09/03) na Folha de São Paulo, compartilhou uma análise semelhante, reconhecendo que o governo Lula tem mostrado um desempenho positivo. O jornalista destaca que o aumento na rejeição nos últimos meses parece estar ligado à narrativa que cerca algumas questões controversas em que Lula se envolve. Gaspari menciona que, embora haja desafios, não se pode atribuir essas questões ao desempenho econômico ou político do governo (os quais ele, inclusive, elogia). Gaspari observa que o presidente Lula parece ter um interesse particular em questões truncadas, como a Operação Lava Jato, e a situação na Venezuela e na Faixa de Gaza [1]. Apesar de elas não terem quaisquer impactos no desempenho efetivo do governo, tais "cascas de banana" (expressão utilizada pelo próprio Gaspari) têm impacto na avaliação governamental, como demonstram as recentes pesquisas de avaliação (Quaest e Atlas [2] e [3]). 

Não é que Lula não deva expressar sua justa indignação com a "carnificina em Gaza" - uma terminologia até mesmo adotada pelo próprio Vaticano em seus comunicados oficiais. O cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, referiu-se a essa situação em 14 de fevereiro, expressando sua veemente reprovação com o que está ocorrendo na região [4]. No entanto, a questão que se coloca é se não haveria uma maneira "menos polêmica" e mais diplomática e moderada para abordar essa questão. Embora não haja uma resposta definitiva para essa pergunta reflexiva e angustiada - que implica em tantas questões de fundo, éticas e humanitárias, sobretudo -, um artigo deve ser o espaço para reflexões sobre possíveis alternativas. 

A moderação pode ser o grande diferencial em um país fortemente e irracionalmente polarizado, no qual os “moderados” - aqueles que não se reconhecem como petistas nem bolsonaristas - representam uma parcela significativa da população, alcançando 11.4%, conforme a pesquisa Atlas divulgada na semana passada. 

O desafio é grande e complexo, mas há caminhos vislumbráveis: optar pela moderação sem perder a parcela que já respalda o governo.  Não é uma receita infalível, mas a tentativa é válida. 


Referências 

[1] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2024/03/o-lulopetismo-tem-um-problema-lula-30.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha. Acesso em 10/03/2024. 

[2] Disponível em: http://blog.quaest.com.br/wp-content/uploads/2024/03/GENIALQUAESTNACIONALFEV24.pdf. Acesso em 10/03/2024. 

[3] Disponível em: https://www.atlasintel.org/polls/general-release-polls. Acesso em 10/03/2024. 

[4] Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2024-02/tornielli-editorial-parar-carnificina-parolin-30-mil-motos-gaza.html. Acesso em 10/03/2024.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Lula vs. Bolsonaro: Uma análise do primeiro ano de cada governo


Lula e Bolsonaro. Foto: AP Photos

    

    Analisar o primeiro ano dos mandatos de Lula e Bolsonaro é uma tarefa um tanto quanto árdua, mas plenamente viável, considerando a disponibilidade de vários indicadores e análises críticas de diferentes órgãos. Neste texto, realizarei uma breve análise comparativa, utilizando uma seleção de uma centena de indicadores ( de fontes oficiais) apresentados pela Folha de São Paulo e desde 2019 (além de outros dados verificáveis), para contrastar o primeiro ano do governo Bolsonaro com o primeiro ano do governo Lula em 2023.

    Dada a limitação de espaço e a necessidade de concisão, não é possível abordar todos os indicadores individualmente. Portanto, serão examinados indicadores de seis áreas específicas: Economia e Política Fiscal; Saúde; Meio Ambiente; Segurança Pública e Rodovias; Educação e Relações Internacionais. 

    Dentre uma vasta gama de indicadores, o governo Lula apresentou melhorias em 66 deles, pioras em 20 e estabilidade em 13. No primeiro ano de Bolsonaro, foram registrados 58 indicadores com saldo negativo, 41 com melhorias e cinco estáveis. Sem expressar opiniões, os dados são claros: o primeiro ano do governo Lula superou o desempenho do seu antecessor. Vejamos: 

Economia e Política Fiscal 

    No primeiro ano de Bolsonaro, embora tenham sido observadas algumas melhorias em indicadores como inflação e taxa básica de juros (a Selic começou 2019 em 6,5% e atingiu 4,5% em dezembro, a menor taxa desde a implantação do regime de metas, em 1999), houve  problemas em relação à balança comercial e ao déficit nas contas externas (rombo de R$ 218, 3 bilhões - o maior desde 2015). 

    O ministro da Economia, Paulo Guedes, encerrou o ano de 2019 com um déficit de R$ 95 bilhões nas contas públicas, descumprindo flagrantemente a sua promessa de eliminar completamente o déficit no primeiro ano de governo.  O número de brasileiros na informalidade subiu 3,2% no primeiro ano de Bolsonaro, o maior nível desde 2015.Entre os indicadores positivos em 2019, destacaram-se o avanço da Bolsa, que atingiu 115 mil pontos em dezembro daquele ano, além de um aumento do consumo das famílias e a redução do risco-país de 207 para 99 pontos. A taxa básica de juros da economia alcançou 4,5% naquela ocasião. O PIB brasileiro cresceu 1,2% naquele ano. 

    No primeiro ano do governo Lula 3, o país experimentou um crescimento significativo do PIB, impulsionado por políticas voltadas para o mercado interno e pelo setor agropecuário . Importante relembrar que, no final de 2022, o Fundo Monetário Internacional (FMI) havia previsto uma desaceleração na economia brasileira, com um crescimento de apenas 1% em 2023 (alguns analistas internos projetavam um crescimento menor que 1%). Os resultados no primeiro ano, no entanto, foram bastante diferentes com um crescimento econômico de 2,9% e uma taxa de desemprego abaixo de 8%, o menor nível desde agosto de 2014. Ademais, o número de trabalhadores com carteira assinada no país alcançou o maior índice desde janeiro de 2015, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As contas externas, por sua vez, registrarem déficit de US$ 28,6 bilhões,  queda de 40,7% em relação a 2022, último ano do Governo Bolsonaro. 

    Dentre as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional em 2023, um duplo destaque: o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. O primeiro, ao substituir o anterior teto de gastos, estabeleceu uma diretriz clara para a gestão das contas públicas, fornecendo um norte seguro para as políticas econômicas. Por sua vez, a reforma tributária, discutida ao longo de três décadas, despontou como um marco crucial, pois possui o potencial não apenas de simplificar o sistema fiscal, mas também de impulsionar o crescimento econômico. 

    O ponto negativo ficou por conta do resultado deficitário de 230 bilhões nas contas públicas, atribuídos à herança do governo anterior, que não realizou o pagamento de precatórios, além de ter promovido desonerações fiscais por motivações eleitorais. 

Educação 

    O Ministério da Educação (MEC) enfrentou desafios políticos e operacionais em 2019, com a substituição de Ricardo Vélez Rodriguez por Abraham Weintraub, cuja gestão foi marcada por uma postura ideológica agressiva. Os cortes de investimentos resultaram no cancelamento de bolsas de pesquisa e impactaram negativamente a educação básica e superior. Apesar de alguns indicadores positivos, como o aumento das matrículas em creches e escolas integrais, isso foi atribuído a esforços de estados e municípios. 

    De acordo com dados do Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE (Plano Nacional de Educação), em 2019 houve estagnação em várias áreas educacionais e uma clara piora em outras. 

    Positivamente, o número de contratos do Fies (Financiamento Estudantil do Ensino Superior) aumentou em 2019 em comparação com o ano anterior, indicando uma possível ampliação do acesso ao ensino superior. Além disso, o MEC aumentou os repasses para a instalação de banda larga nas escolas, o que pode contribuir para uma melhoria na infraestrutura tecnológica e no acesso à informação nas instituições de ensino. 

    Esses pequenos avanços foram contrastados por uma série de retrocessos como os cortes nos investimentos federais em educação básica. Os gastos com ensino superior também caíram, afetando diretamente as universidades federais, que enfrentaram um congelamento de recursos. 

    Além disso, o governo Bolsonaro abandonou ou reduziu o apoio a programas essenciais para a alfabetização, como o Mais Alfabetização e o Programa Brasil Alfabetizado. Também houve redução nos repasses diretos para as escolas, que afetaram a infraestrutura e o apoio pedagógico oferecido aos alunos. Os recursos também diminuíram para investimentos em obras de acessibilidade e instalação de água nas escolas. 

    Houve, ainda, uma redução na oferta de bolsas integrais e presenciais do Prouni, fundamentais para garantir o acesso à educação superior para os mais pobres. Os cortes também atingiram a pós-graduação, com uma diminuição nas bolsas de pesquisa financiadas pela Capes. 

    O governo Lula, por sua vez, apresentou melhoras em 8 dos 10 indicadores avaliados na área da educação. Além da recuperação orçamentária abrangendo desde a educação infantil até a pós-graduação, foram implementados programas estratégicos, como o incentivo às escolas de tempo integral e o lançamento de um programa anual de R$ 7 bilhões para combater a evasão escolar no ensino médio, por meio do pagamento de bolsas. 

    Os dados do Censo Escolar demonstraram progressos nas matrículas de creche, ensino integral e educação profissional. Em relação à alfabetização, que foi destacada como prioridade pelo ministro da Educação, Camilo Santana, houve adesão de todos os estados e 99,2% dos municípios ao novo programa lançado em junho de 2023. 

    Houve, ainda, melhorias nos investimentos federais no ensino profissional, com um aumento de 4% em relação a 2022. Os investimentos nas instituições federais de ensino superior foram ampliados em 6% em comparação ao último ano do governo Bolsonaro e o governo também aumentou o valor das bolsas de pós-graduação e o número de beneficiários, principalmente nas bolsas de doutorado. Além disso, os recursos destinados à educação em tempo integral foram consideravelmente maiores em 2023 do que no ano anterior. 

Saúde 

    Na área da saúde, no primeiro ano de Bolsonaro houve desempenho positivo em três indicadores de saúde, enquanto oito apresentaram desempenho negativo. Um dos dados negativos foi a diminuição do número de médicos na atenção básica, algo que não ocorria desde 2011, assim como a redução de agentes comunitários de saúde. A diminuição de médicos se deveu à decisão do governo de não renovar contratos do programa Mais Médicos, o que refletiu a diminuição dos atendimentos na atenção básica em diversas regiões do país, onde ainda há escassez desses profissionais, conforme apontado à época pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva. 

    Durante o primeiro ano de governo de Lula, houve desempenho positivo em oito dos dez indicadores analisados, com estabilidade em um e desempenho negativo também em um indicador. O único indicador que apresentou piora foi a situação da dengue no país, enquanto a cobertura das vacinas do calendário básico infantil permaneceu estável. 

    Dentre os indicadores positivos, destaque para  o número de médicos da estratégia de saúde da família que passou de 29 mil para 35,6 mil; e o o contingente de agentes comunitários que foi de 287,6 mil em 2022 para 292 mil em 2023. Registrou-se também avanços nos índices de mortalidade infantil e materna: uma queda de 32,2 mil para 30,5 mil mortes infantis e de 69 mil para 62 mil mortes maternas entre 2022 e 2023, respectivamente. 

    Além disso, os números de procedimentos médicos realizados também apresentaram um crescimento importante. Houve um aumento de 714 milhões para 755 milhões de procedimentos, como atendimentos e exames de diagnóstico, entre 2022 e 2023. 

Meio Ambiente 

    Em 2019, os incêndios aumentaram em todas as áreas do Brasil, especialmente no Pantanal, na fronteira com a Bolívia, onde se multiplicaram por seis, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O pior mês para a Amazônia foi agosto de 2019, com 30.901 incêndios, provocando críticas de líderes mundiais. Bolsonaro foi acusado de desmantelar políticas ambientais e de incentivar atividades ilegais, como a exploração de recursos minerais em terras indígenas. O desmatamento na Amazônia atingiu o pior índice em uma década, com 9.700 quilômetros quadrados perdidos entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com o INPE. 

    No primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, houve redução significativa no desmatamento da Amazônia e avanços em políticas climáticas. Segundo dados do sistema Deter do INPE, o desmatamento na Amazônia caiu pela metade, indo de 10.048 km² em 2022 para 4.976 km² em 2023, o que representa o melhor resultado para o período desde 2018. 

    Por outro lado, o desmatamento no cerrado aumentou em 41% nos últimos 11 meses, chegando a 7.373,6 km² em 2023. Em resposta, o governo lançou o PPCerrado, uma política pública para combater essa situação. Além disso, foram reativados os conselhos participativos que regem o Fundo Amazônia, possibilitando a retomada de doações e a ampliação de projetos apoiados. 

    O Conama também passou por uma grande reestruturação, ampliando o número de membros e aumentando a participação da sociedade civil. 

Segurança Pública e Rodovias 

    No primeiro ano de Jair Bolsonaro, facilitou-se o acesso às armas de fogo com a publicação de decretos para tornar mais acessível a posse e o porte de armas. Além disso, Bolsonaro enviou ao Congresso um pacote anticrime e um projeto para isentar militares e policiais que cometem crimes durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Apesar das controvérsias, em 2019 houve uma redução de 22% nos homicídios dolosos e latrocínios, entre outros crimes. 

    No início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva decretos foram publicados para restringir a emissão de novos registros de armas no Brasil. Isso resultou em uma queda significativa no número de registros, com apenas 28.328 em comparação com os 135.335 registrados no último ano do governo Bolsonaro e os 185.497 em 2021. 

    De acordo com o relatório do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) do Ministério da Justiça, o ano de 2023 apresentou uma redução nos casos de homicídios dolosos. Em 2018, foram registrados 48.965 casos, enquanto em 2022 esse número caiu para 38.932 e, em 2023, para 37.602. Em termos de segurança viária, o aumento no número de mortes nas estradas foi um desafio enfrentado no primeiro ano de mandato tanto no governo Lula quanto no governo Bolsonaro. Apesar dos esforços na implementação de políticas de prevenção de acidentes, questões como o descumprimento das normas de trânsito continuaram a contribuir para a trágica estatística de fatalidades. Tanto o ano de 2019 quanto o ano de 2023 apresentaram pioras em relação aos anos anteriores. 

    Em 2019, o número de mortes nas estradas federais em decorrência de acidentes cresceu 1,2% em comparação com 2018, registrando 5.332 óbitos. Em 2023, também houve um aumento, passando de 5.439 mortes em 2022 para 5.615 em 2023, de acordo com os dados da Polícia Rodoviária Federal. 

Relações Internacionais 

    Os primeiros anos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e Jair Bolsonaro apresentaram diferenças marcantes em suas abordagens de política externa. Lula teve quase quatro vezes mais encontros com líderes mundiais do que Bolsonaro, demonstrando uma forte presença internacional e uma abordagem diplomática robusta. 

    A interação frequente refletiu o foco de Lula em fortalecer as relações internacionais do Brasil e capitalizar questões como o meio ambiente e os direitos sociais. A agenda internacional de Bolsonaro foi muito mais limitada. 

Conclusão 

    Considerando a ampla gama de dados e análises setoriais apresentadas, é evidente que, embora ambos os governos tenham enfrentado desafios distintos, o primeiro ano do governo Lula demonstrou uma abordagem mais eficaz na promoção do desenvolvimento socioeconômico e na efetivação dos direitos sociais e políticas públicas. 

    Apesar da persistente e irracional polarização política que tem caracterizado o Brasil nestes tempos, a preferência dos brasileiros pelo governo Lula em relação ao governo Bolsonaro reflete a avaliação política comparativa das duas gestões. De acordo com uma pesquisa do PoderData de dezembro de 2023, quase metade dos eleitores (49%) considerava o governo de Lula "melhor" do que o de Bolsonaro. Por outro lado, 38% dos entrevistados consideraram o governo atual "pior" que o anterior. Esses números evidenciam que a percepção pública acompanha a análise dos indicadores, pelo menos até agora.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Desafios Fiscais no Brasil: entre o populismo fiscal e a reoneração responsável

* Artigo originalmente publicado no Conjur em fevereiro de 2024.



Fernando Haddad fala sobre reoneração da folha de pagamento
Agência Senado

Ao longo de anos, o Brasil tem enfrentado persistentes desafios fiscais, frequentemente marcados pelo surgimento do populismo e por práticas eleitoreiras repetidas, em detrimento da responsabilidade orçamentária. Um exemplo notório desse padrão é a gestão fiscal durante o mandato de Jair Bolsonaro, um período em que a concessão de subsídios fiscais atingiu a expressiva cifra de R$ 80,95 bilhões, destacando-se particularmente no ano de 2022, ano eleitoral não por coincidência. 

As leis complementares 192 e 194 de 2022 impuseram severas perdas aos estados e municípios brasileiros, resultando em reduções estruturais nos orçamentos estaduais e municipais, retirando, em cada exercício fiscal, aproximadamente R$ 100 bilhões de arrecadação de ICMS. Isso representa uma clara violação ao pacto federativo e uma medida eleitoreira lamentável, que o judiciário ainda precisa examinar para responsabilizar o ex-presidente e seus seguidores. 

Incentivos foram direcionados a setores como petróleo, carvão mineral e gás natural, delineando um quadro que exemplifica a lógica dos lobbies na administração federal e a inconsequente alocação de recursos públicos nas mãos daqueles setores que mais brigam para conquistar seus interesses em detrimento do conjunto do país. 

Diante de um cenário desafiador, caracterizado por um orçamento altamente restrito e uma herança fiscal comprometida, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem adotado, desde o início de sua gestão, uma abordagem responsável e comprometida com os princípios republicanos. Iniciou, em 2023, o processo gradual de reversão das desonerações, ciente dos erros do passado. 

As medidas de reoneração implementadas até o momento foram conduzidas de maneira conscientemente gradual, considerando as resistências políticas e os lobbies presentes no Congresso Nacional. Este ritmo, embora não acelerado, reflete uma resposta pragmática e necessária para enfrentar as demandas de um ambiente econômico adverso. O compromisso de Haddad em lidar com as dificuldades orçamentárias, aliado à sua postura republicana, destaca-se como uma estratégia consciente e focada na estabilidade fiscal do país. 

A reoneração completa, incluindo um aumento de 12,5% no ICMS sobre gasolina, diesel e gás de cozinha, representa uma ação corajosa para equilibrar as contas públicas. É crucial destacar a compreensão federativa de Haddad ao evitar impor aos estados e municípios as consequências das desonerações, levando em consideração as dificuldades financeiras enfrentadas pela maioria deles. 

Nesse contexto, a proposta de reoneração da folha de pagamento, também defendida pelo Ministro Haddad, ganha relevância. Um estudo recente do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas) da UFMG. O estudo questiona a eficácia da desoneração, fortalecendo a posição do governo na busca pela estabilidade financeira. A desoneração da folha mostrou-se inadequada para promover empregos e salários de forma consistente, representando apenas 17% do emprego formal do setor privado em 2021. 

A disparidade entre a política de desoneração e seu real impacto na economia destaca a premente necessidade de uma revisão criteriosa. A proposta de Haddad para a gradual reoneração da folha de pagamento emerge como uma medida sensata, alinhada à busca pelo equilíbrio fiscal em 2024, conforme estabelecido pela Medida Provisória Nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023. Em um momento importante para a economia brasileira e o equilíbrio das contas públicas, a reoneração, tanto dos combustíveis quanto da folha de pagamento, representa uma resposta necessária e corajosa. A priorização da estabilidade fiscal deve sobrepujar iniciativas eleitoreiras, garantindo um futuro mais robusto para o país e restaurando a capacidade do governo de retomar os investimentos. 

Neste sentido, merece destaque uma pesquisa do Ipea, com base nos dados da PNAD Contínua do IBGE entre 2012 e 2022, revelando que 47 setores apresentaram um saldo positivo de 13 milhões de postos de trabalho. Surpreendentemente, 52% desse incremento originam-se de setores não beneficiados pela desoneração, como saúde, comércio, alimentação e educação. Entre os 40 setores que experimentaram uma diminuição no número de empregos, 10 estão abrangidos pela chamada "política de desoneração". Isso evidencia que o esforço setorial na geração de empregos não se alinhou de forma eficaz à desoneração, destacando suas limitações como estratégia. A necessidade de uniformidade na tributação para todos os setores emerge como uma questão crucial de equidade e promoção da eficiência na economia. Certamente, a distinção entre incentivos fiscais e privilégios tributários não é uma tarefa tão simples, e, em última análise, a sociedade é a principal prejudicada. O resultado disso é uma erosão constante das finanças públicas em troca de supostos benefícios que nunca são compartilhados de maneira equitativa. 

A defesa da continuidade de políticas de desoneração, ao privilegiar setores específicos, contraria o princípio da isonomia tributária e negligencia as implicações para a totalidade da economia, configurando-se como um desserviço ao país. A estrutura tributária brasileira, incluindo a tributação sobre a folha de pagamentos, é inquestionavelmente regressiva e ineficiente, situando-se entre as mais problemáticas do mundo. Estender a desoneração apenas agravaria essa situação. 

Para promover avanços significativos em direção a um sistema tributário mais equitativo, torna-se fundamental iniciar imediatamente a implementação e regulamentação infraconstitucional da Reforma Tributária, ao mesmo tempo em que se redesenha o Imposto de Renda para Pessoa Física. A complexidade desafiadora representada pela dívida bruta, que absorve 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em juros, e a renúncia fiscal de aproximadamente R$ 10 bilhões decorrente da desoneração da folha de pagamento estabelecem uma relação causal clara: uma redução na arrecadação resulta no aumento da dívida. Esse acréscimo na dívida, por sua vez, acarreta em taxas de juros mais elevadas, desencadeando um ciclo de aumento de impostos para cobrir os encargos financeiros, encarecimento do crédito, redução dos investimentos e, por conseguinte, a diminuição, em vez do crescimento, dos postos de trabalho. Nesse contexto, é crucial direcionar esforços coordenados para enfrentar esses desafios, promovendo uma reforma tributária eficaz e mitigando os impactos negativos sobre a economia e o emprego. 

Em um panorama fiscal desafiador, no qual as intricadas relações entre políticas tributárias e desenvolvimento econômico se entrelaçam, as ações do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, emergem como um farol de responsabilidade e comprometimento com a estabilidade jurídica e fiscal do país. Ao conduzir a gradual reoneração e buscar a equidade tributária, Haddad demonstra uma abordagem política, jurídica e administrativamente consciente, reconhecendo a importância de alinhar as políticas públicas aos princípios republicanos. Sua postura pragmática diante das resistências políticas, aliada à priorização da estabilidade fiscal, destaca-se como um exemplo de liderança que busca mitigar os efeitos negativos das práticas anteriores. Em tempos nos quais a responsabilidade fiscal e a astúcia política são essenciais, Haddad se destaca como uma figura central na busca por um futuro alvissareiro para o Brasil.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Industrialização tecnológica e sustentável: O caminho para o desenvolvimento nacional

Imagem: Geety Images



* Artigo originalmente publicado no site Sagarana Notícias em 15/01/2024


    O ano de 2023 assinalou um recorde notável na balança comercial do Brasil, com as exportações atingindo a cifra impressionante de US$ 323,7 bilhões. Este êxito é majoritariamente atribuído à consolidada parceria comercial com a China, que agora absorve aproximadamente 30% dos produtos brasileiros destinados ao mercado internacional, representando um aumento significativo em relação à última década, quando sua participação não ultrapassava os 20%. Esta mudança reflete uma alteração nas dinâmicas globais de comércio.

    É imperativo, entretanto, analisar este cenário com um viés crítico (no bom sentido da crítica), pois, apesar do sucesso evidente, há sérios indícios de vulnerabilidades na estrutura econômica do Brasil. O crescimento desproporcional das exportações para a China, enquanto as vendas para outros países, como os Estados Unidos, diminuíram, levanta preocupações entre os economistas. Eles apontam para os riscos associados à dependência excessiva de um único mercado. Mas esse não é o maior problema, haja vista a relação consistente entre os dois países nos últimos anos e a perspectiva de parcerias estratégicas.

    A grande questão é o cardápio exportador brasileiro, amplamente dominado pelas commodities. Setores como soja, minério de ferro e petróleo correspondem a impressionantes 37% das exportações de nosso país. Em comparação com 2006, quando esses produtos representavam menos de 10%, nota-se uma falta de diversificação na pauta exportadora, aumentando a vulnerabilidade do país a flutuações nos preços dessas commodities no mercado internacional - o que acontece com certa frequência.

    O setor agropecuário, especialmente nos segmentos de soja e proteínas de carne bovina, suína e de frango, também registrou marcas históricas em 2023, desempenhando um papel significativo na balança comercial. No entanto, ressurge a necessidade de questionar a ênfase excessiva nessas áreas e sua relação com a sustentabilidade ambiental. A dependência de práticas que podem resultar em impactos negativos a longo prazo, como desmatamento e intensificação no uso de agrotóxicos, exige uma abordagem ponderada. O fortalecimento do agronegócio, apesar de sua inquestionável potencialidade para a economia brasileira, deve ser acompanhado por uma estratégia de industrialização nacional.

    Neste contexto, emerge a necessidade premente de repensar a estratégia econômica do Brasil. O grande desafio é a industrializar o país de maneira inteligente e sustentável. A indústria, historicamente capaz de proporcionar melhores salários e agregar valor aos produtos, é vista como a chave para posicionar o Brasil estrategicamente entre as nações. O vice-presidente e atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, sabe muito bem disso e chegou a afirmar em sua posse no MDIC que os maiores desafios no cargo serão "fazer o setor expandir a sua participação no Produto Interno Bruno, ter iniciativas que visem preservar o meio ambiente e se aliar à justiça social". [1] Isso é um alento porque demonstra que o governo está atento à questão desde janeiro de 2023.

    Neste contexto, o governo brasileiro, por meio do MDIC, está forjando a nova industrialização em seis grandes pilares: 1. cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; 2. complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS [Sistema Único de Saúde] e ampliar o acesso à saúde; 3. infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; 4. transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; 5. bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as futuras gerações; e 6. tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais. O plano é alvissareiro e, espero, seja implementado eficazmente. O grande desafio, aliás, é sua implementação efetiva, uma vez que não demanda apenas esforços governamentais, mas também a participação ativa da sociedade civil e a construção de consensos políticos de longo prazo - um grandioso desafio para o Brasil na atual conjuntura sociopolítica.

    É imperativo que o país formule e implemente um projeto ousado de desenvolvimento, alinhado com princípios de responsabilidade socioambiental. Este projeto deve abranger políticas que fomentem a inovação, a capacitação da mão de obra, a diversificação produtiva e a redução das desigualdades sociais.

    Apesar de os números recordes na balança comercial serem dignos de celebração, é crucial interpretá-los com um olhar crítico e de pensamento de longo prazo. A pergunta-chave que se impõe é: "Qual papel o nosso país quer e pode ocupar no mundo contemporâneo?" A hora é propícia para uma visão ousada e abrangente, capaz de posicionar o Brasil como protagonista na geopolítica contemporânea.

    O aumento do Valor Adicionado Industrial per capita emerge como um fator intrinsecamente vinculado a diversos benefícios socioeconômicos, desempenhando papel crucial no aprimoramento do Índice de Desenvolvimento Humano. A ascensão desse indicador está associada não apenas à redução da pobreza e do trabalho infantil, mas também à criação de empregos qualificados e melhor remunerados, conforme destacado pelo professor Paulo Gala (FGV e Banco Master).

    À medida que as economias se industrializam, a demanda por mão de obra qualificada se intensifica, incentivando a população a buscar educação e formação necessárias para acessar empregos bem remunerados. O aumento das receitas, o pagamento de mais impostos e o investimento crescente em educação tornam-se resultados tangíveis desse processo. Além disso, estudos demonstram que a industrialização também está intrinsecamente ligada à promoção da saúde. Inovações de alto nível e pesquisas científicas, incluindo desenvolvimentos em tratamentos médicos, vacinas e tecnologias médicas, são fomentadas em ambientes industrializados. Essa transformação econômica pode contribuir para a mitigação de efeitos ambientais adversos, como poluição, mudança climática, destruição de habitats e superexploração de recursos naturais.

    Industrializar o país nas bases da sustentabilidade, da tecnologia e da soberania é uma importantíssima estratégia para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável e o posicionamento altivo do Brasil no concerto das nações.


Referências

[1] Alckmin toma posse como ministro e quer protagonismo da indústria no PIB. Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/alckmin-toma-posse-como-ministro-e-quer-protagonismo-da-industria-no-pib/.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

O desafio da reconstrução: um ano dos ataques à democracia brasileira

 * Artigo originalmente publicado no site Sagarana Notícias em 08/01/2024


Site do jornal americano NYT em 08/01/2023
denomina os golpistas como apoiadores do ex-presidente Bolsonaro

    Há precisamente um ano, o Brasil assistiu, atônito, aos ataques perpetrados contra as sedes dos três poderes em Brasília - fato que representou o ápice da polarização política que permeava o país há algum tempo e que se intensificara após a vitória de Lula sobre Bolsonaro nas eleições de outubro. A tentativa golpista foi uma emulação dos bolsonaristas aos radicais trumpistas, que haviam chocado o mundo ao protagonizarem uma invasão inédita ao Capitólio, em Washington, dois anos antes. Inconformados com as derrotas eleitorais, os extremistas optaram pela barbárie golpista. 

Naquela tarde do segundo domingo do ano, milhares de "manifestantes", vestindo verde e amarelo, alguns acampados em frente ao quartel-general do Exército na capital federal, dirigiram-se à Esplanada dos Ministérios, invadindo a praça dos Três Poderes, o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal), perpetrando atos de vandalismo nos interiores desses edifícios. Mas não eram apenas "vândalos", tampouco "manifestantes". Atabalhoadamente ou não, eram golpistas (denominação utilizada pela própria PGR no envio das denúncias ao STF) envenenados pelo extremismo de direita, almejavam derrubar o governo brasileiro  democraticamente eleito e que tomara posse há apenas uma semana. 

    Os desdobramentos desse episódio ressoaram ao longo do ano, resultando em uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal e na suspensão do mandato do governador Ibaneis Rocha (MDB). A Polícia Federal revelou a existência de uma minuta golpista na residência de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, que foi preso uma semana após os ataques. 

    A reação aos eventos golpistas desencadeou a instauração de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs): uma no Congresso Nacional e outra na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Em janeiro, deputados distritais inauguraram a CPI, ouvindo 31 pessoas, incluindo autoridades da Segurança Pública, Exército e Gabinete de Segurança Institucional (GSI). No mês de maio, o Congresso Nacional instalou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que, após intensas investigações, apresentou um relatório conclusivo em outubro, sugerindo o indiciamento de 61 pessoas. Dentre os indiciados, destacam-se o ex-presidente Jair Bolsonaro e oito generais, incluindo quatro ex-ministros de seu governo. 

    O mês de setembro de 2023 marcou o início do julgamento das primeiras ações penais vinculadas à crise. Quatro réus foram condenados a penas que variam de 14 a 17 anos de prisão, por crimes como associação criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.  Após um ano dos eventos, 2.170 pessoas foram presas, com a PGR denunciando 1.413 indivíduos por atos antidemocráticos. Até fevereiro de 2024, 30 pessoas foram condenadas, e outras 29 aguardam julgamento. As investigações prosseguem, sendo o maior desafio agora a identificação e a consequente punição dos autores intelectuais por trás dos atos que abalaram a frágil democracia brasileira. 

    Um ano depois, pode-se dizer que o Brasil se encontra em um complexo processo de reconstrução pós-crise democrática. A atuação efetiva dos três poderes, da sociedade e da imprensa durante o ano de 2023 foi crucial para fortalecer a frágil democracia nacional, mas a verdade é que a sociedade brasileira segue traumaticamente polarizada, conforme apontam diversas pesquisas de opinião. Parte considerável da população brasileira ainda flerta com a extrema direita e 11% dos eleitores de Jair Bolsonaro aprovam a intentona golpista, demonstra pesquisa da Quaest divulgada nesta semana. A participação de Bolsonaro na coordenação dos eventos golpistas gera divergências entre os entrevistados: 47% acreditam que ele exerceu alguma influência, enquanto 43% têm a opinião oposta. Em fevereiro do ano anterior, esses números eram, respectivamente, 51% (a maioria) e 38%. 

    Passados doze meses, no entanto, as respostas judiciais ainda não abarcaram completamente as ramificações da crise. Juristas renomados como o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski destacam que a responsabilização incompleta pode acarretar consequências graves. Apesar dos esforços do Supremo Tribunal Federal (STF) em acelerar a responsabilização dos executores diretos dos ataques, permanece uma interrogação crucial sobre a justiça aos membros das Forças Armadas que estavam envolvidos, seja por ação ou omissão, assim como os autores intelectuais dos ataques - financiadores e instigadores. 

    O cenário é complexo e o 8 de janeiro de 2023 seguirá a nos desafiar enquanto sociedade cingida em busca de estabilidade democrática. A preocupação com a persistência do espectro do autoritarismo ressalta a importância de uma vigilância constante para salvaguardar a democracia, para tanto é fundamental o fortalecimento das instituições democráticas e a regulamentação das redes sociais, estabelecendo um arcabouço legal que promova a cidadania digital e imponha responsabilidades às plataformas. 

    Ainda hoje observa-se a livre propagação de manifestações golpistas nas redes sociais, sem qualquer filtro, resultando em um cenário de verdadeira “lei da selva” no ambiente virtual, como destacou o Advogado Geral da União Jorge Messias. Não há dúvidas de que o movimento de 8 de janeiro de 2023 foi organizado e amplificado por meio dessas redes, propagando inverdades e mobilizando um grande número de pessoas em Brasília e nos quartéis país afora. Sem filtros eficazes para coibir situações dessa natureza, a frágil democracia continuará ainda mais fragilizada. 

    Em última análise, a mensagem que ressoa é inquestionável: a sociedade brasileira deve internalizar profundamente a ameaça do autoritarismo e cultivar uma vigilância constante para salvaguardar a estabilidade democrática. Este desafio é premente, e a neutralização do extremismo de direita requer um compromisso coletivo, transcendentemente abrangente entre democratas de todas as vertentes ideológicas, desde liberais e socialistas até socialdemocratas e trabalhistas. A verdadeira construção de um país mais justo, equitativo e genuinamente democrático demanda, agora mais do que nunca, a coesão e a solidariedade inabaláveis de todos os defensores da democracia no Brasil. 

    Somente por meio de uma consistente e ampla frente democrática, podemos aspirar a superar as ameaças persistentes, transformando o golpismo em uma mera e fatídica nota na história, um lembrete perpétuo da importância vital de preservar nossa democracia e garantir que o fantasma do autoritarismo jamais nos assombre novamente.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Entrevista ao Jornal Spasso de Itaúna-MG

Compartilho entrevista concedida ao jornalista Sílvio Bernardes, do Jornal Spasso, de Itaúna-MG, por ocasião do lançamento do livro Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo. A entrevista foi pelo jornal publicada em 09 de dezembro de 2023 e também pode ser acessada por meio deste link: https://jornalspasso.com.br/sete-perguntas-para-o-professor-alisson-diego-batista-moraes-ex-diretor-do-saae/ 

Alisson Diego - João V. Moraes - 2023


O professor da USP, Vladimir Safatle, fez a seguinte dedicatória para o professor Álisson Diego Batista Moraes, que está lançando o livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, fruto de sua dissertação de mestrado, e, para ele, resume bem o que ele é: “Ao Alisson Diego, que tem um pé na teoria, um pé na prática e a cabeça no lugar certo”. Sobre o seu pé acadêmico-teórico: é advogado pela Universidade de Itaúna, gestor público, filósofo, pela UFMG, especialista em Gestão Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas, mestre em Ciências Sociais, pela PUC e, atualmente, faz o doutorado em Ética e Filosofia Política na Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP. Além disso, é professor dos cursos de pós-graduação da PUC-Minas – IEC.

Já este é o seu o “pé na prática” como profissional e gestor público: foi vereador em Itaguara aos 19 anos de idade, prefeito eleito e reeleito de Itaguara (entre 2009 e 2016), Diretor da AMM (Associação Mineira de Municípios) e vice-presidente da Granbel (Associação dos Municípios da Grande BH), Diretor do SAAE e secretário de Planejamento e Governo de Itaúna entre 2017 e 2019; Diretor da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) de 2017 a 2019. Secretário de Planejamento, Assessor de Projetos Estratégicos e Chefe de Gabinete da Prefeitura de Itabira entre 2021 e 2022. Atualmente, é secretário de Fazenda de Nova Lima, desde julho de 2022. Também teve um escritório de advocacia, mas atividades foram suspensas em virtude do impedimento pelo cargo que ocupa.


Neoliberalismo Autoritário. Editora Dialética (2023)

Em razão do lançamento do seu livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, o professor Álisson Diego é o convidado do Jornal S’PASSO para responder as Sete Perguntas dessa edição.

1. Qual é sua ligação com Itaúna, para além de ter sido membro do governo do prefeito Neider e de ter estudado na Universidade de Itaúna?

Tenho ligações muito fortes e históricas com Itaúna, muitos amigos construídos ao longo de anos, além de vigorosos vínculos familiares. Para se ter uma ideia, a Dona Dorica, que foi esposa do Coronel Arthur Contagem Vilaça, admirada em Itaúna e em Itaguara como benfeitora de nossa região, era irmã de meu tetravô, o Antônio Luiz, portanto era minha “tia-tetravó”. O Célio Soares Nogueira e o Milton Penido, que foram prefeitos da cidade, eram também parentes meus. Carlindo e Elói, irmãos de meu trisavô, moraram e constituíram as suas famílias em Itaúna. Ah, havia também a Dona Artumira, mãe da Dona Ivete, casada com o Dr. Guaracy, que possuía parentesco comigo. Há centenas de descendentes desses meus familiares em Itaúna. Todos parentes meus. Há diversos outros familiares, mas se eu disser aqui a lista fica muito extensa. Essas raízes histórico-familiares são muito significativas para mim. Dizem respeito à minha ancestralidade. Eu adorava conversar com o Doutor Guaracy sobre essas raízes. Ele tinha belíssimas histórias. Uma pena que não anotei todas e muitas se perderam.

Mas como ressaltado na sua própria pergunta, academicamente foi na Universidade de Itaúna onde cursei Direito e comecei a minha trajetória intelectual. Profissionalmente, a passagem pela prefeitura itaunense entre 2017 e 2019 também foi muito importante para a minha formação e para as reflexões que faço até hoje sobre a política, a sociedade brasileira e a gestão pública.

Então, posso dizer, com absoluta segurança, que Itaúna possui uma importância muito grande e está presente em vários momentos e perspectivas de minha vida.

2. O SAAE, autarquia que você dirigiu, é hoje uma das instituições mais importantes da cidade e uma das mais questionadas por causa da política de saneamento, do marco regulatório que preconiza 100% de atendimento à população e das cobranças por um serviço mais próximo da população. Conhecendo bem o SAAE Itaúna, esta autarquia está realmente na vanguarda do serviço público? O que lhe falta para que ela cumpra efetivamente com o seu papel?

O SAAE é um grande patrimônio do povo itaunense. Itaúna é privilegiada por ter o SAAE com a estrutura e a grandeza que possui. É uma autarquia que conta com um corpo técnico qualificado, com estruturas muito acima da média e com uma capacidade respeitável de investimentos. Quando assumimos o SAAE em 2017, a autarquia passava por um momento complicado de desestruturação e desvio de sua função mais importante: cuidar efetivamente do saneamento em seus pilares definidos pela legislação, sobretudo água, esgoto e resíduos (pode-se acrescentar a drenagem como quarto pilar, mas muitas autarquias não prestam este serviço, embora esteja definido em lei). O SAAE é para isso e ponto final. Não é para fazer praça, ajudar a prefeitura a fazer asfaltamentos etc. Isso é o básico de se entender. Quando deixamos a gestão do SAAE, a autarquia passou a ser superavitária e a cumprir com o seu propósito, a sua missão: fazer saneamento de qualidade. Samuel, que me sucedeu, foi também muito importante para essa estruturação realizada; e depois o Arley que também seguiu o caminho e realizou um grande trabalho.

Tenho muito orgulho do que fizemos no SAAE de Itaúna. Ainda há muito a fazer, mas o SAAE possui um histórico estimável e Itaúna está sim na vanguarda em matéria de saneamento. O SAAE não é apenas orgulho para os itaunenses, mas para o Brasil. Mas, claro, que pode e deve melhorar. Como gestor, jamais abro mão do conceito de “melhoria contínua”. Uma sugestão para aperfeiçoar a gestão da autarquia hoje? Investir pesadamente na eficientização dos processos internos, na governança estratégica e no compliance da autarquia – isso dará ainda mais protagonismo ao SAAE e garantirá sustentabilidade financeira e organizacional para o futuro, resultando em maior reconhecimento por parte da população.

3. Falando de sua dissertação de mestrado e da publicação do seu livro, lançado essa semana em Belo Horizonte, conte um pouco sobre sua abordagem e quando foi que ela se tornou objeto de estudo acadêmico.

Há alguns anos tenho observado e estudado a ascensão da extrema-direita no Brasil. Desde quando era prefeito, em 2013, com a irrupção das manifestações que tomaram conta da nação em junho daquele ano, comecei a ficar muito instigado a refletir sobre o que estávamos vivendo. Não era algo que se poderia considerar “normal”. Anos depois, decidi estudar ainda mais profundamente o papel da cultura política na formatação da sociedade e do estado brasileiros. A ideia inicial era tecer uma discussão da obra “As ideias fora do lugar” do sociólogo Roberto Schwarz e explorar a tradição iliberal do Brasil. Mas com o tempo, fui percebendo que a cultura política por si mesma não seria capaz de explicar a ascensão da extrema-direita nem no Brasil, nem no mundo. Ou seja, não era apenas porque o Brasil havia sido colonizado por Portugal e forjado por uma estrutura hierárquica rígida que persistia na atualidade um autoritarismo arraigado no tecido social e nas estruturas de poder. Havia outros fatores a serem considerados nesta quadra da história, neste primeiro quarto do século XXI. Dentre esses fatores, o principal deles, a meu ver, trata-se do neoliberalismo, que é mais que um sistema econômico, mas também possui uma dimensão política, social, cultural e até metafísica. Fui à fundo nessas temáticas e teci a correlação entre a tríade amalgâmica que sustenta a obra: neoliberalismo, autoritarismo e bolsonarismo.

4. As raízes do neoliberalismo no Brasil, tratadas em sua obra, estão num mesmo emaranhado do autoritarismo brasileiro? As mesmas fontes que alimentam um, dessedenta a outra?

O autoritarismo brasileiro é anterior ao neoliberalismo autoritário. Isso precisa ficar claro. A nossa estrutura social é marcadamente autoritária e violenta desde a sua gênese. O ponto central do livro é este: não se pode tratar da temática autoritária, hoje, sem mencionarmos as estruturas neoliberais. Ou seja, não dá para voltar ao século XVIII para explicar a totalidade da dimensão autoritária em nossos dias. Eu não ignoro o aspecto histórico, mas não é possível dizer que a cultura política e a intrincada herança colonial-escravagista são as únicas razões para a persistência autoritária na sociedade brasileira. Há, notadamente, uma estrutura histórica tanto da sociedade quanto do Estado brasileiro que impede o avanço das demandas sociais por maior participação política, por acesso a bens materiais, por equidade, por democratização, mas há um componente atual fundamental a ser considerado: a ambiência neoliberal.

O bolsonarismo, por exemplo, é um fenômeno que se relaciona muito mais com o neoliberalismo do que com a tradição autoritária brasileira. Posso dizer, de todo modo, que o neoliberalismo autoritário (que para mim é até uma expressão pleonástica porque o neoliberalismo é essencialmente antidemocrático) encontrou um terreno muito fértil em uma sociedade estruturalmente autoritária e violenta como a brasileira. Isso está na esteira do que defendem a Marilena Chaui, o Jessé Sousa, o Adam Przeworski, a Verónica Gago, dentre outros pensadores contemporâneos. Mas, claro, há uma imbricação entre o autoritarismo histórico e o autoritarismo neoliberal. A separação na obra é conceitual. O ponto é o que disse acima: não há neoliberalismo sem autoritarismo. Sua essência é antidemocrática. O pleonasmo no título é intencional justamente para reforçar o conceito. Neoliberalismo e autoritarismo são duas faces de uma mesma moeda: o capitalismo predatório contemporâneo.

5. E a extrema direita, também trada no livro, podemos dizer que no Brasil ela é sinônimo do bolsonarismo?

Sem dúvida alguma. A caricatura da extrema-direita no Brasil é o bolsonarismo. Havia muita discussão se seria possível considerar o bolsonarismo como um movimento sociopolítico, assim como o getulismo no Brasil dos anos 40, o chavismo na Venezuela, o trumpismo nos EUA, o peronismo na Argentina, o correísmo no Equador, dentre outros movimentos sociopolíticos personalistas reconhecidos. Eu defendo que sim, pois trata-se de um movimento com características muito próprias e há uma seção no livro especificamente dedicada a essa temática. O bolsonarismo, neste sentido, é um movimento de extrema-direita, em total alinhamento com uma configuração mundial.

Dentre essas características, podemos elencar algumas práticas de extremismo político: a retórica do ódio, a propagação do medo sob a esperança, as questões morais trazidas em forma de pânico, a preponderância do ressentimento acima de qualquer dimensão de solidariedade, a racionalidade mercadológica, a crença de que o estado é um mal (mas deve ser utilizado para financiar uns poucos), o ataque às instituições democráticas, a demonização dos adversários políticos e de qualquer voz que venha da oposição, além de uma completa abdicação da luta por justiça – esses são alguns dos fatores que me lembro aqui de cabeça, mas poderia elencar vários outros. É neste contexto que a agenda política se transforma apenas numa narrativa e não em um projeto de país. Essas são algumas das razões pelas quais o bolsonarismo representa uma tragédia incomparavelmente pior (neste quesito de projeto de nação) à ditadura 1964-1985.

6. Na sua opinião, para onde caminham o bolsonarismo e a própria extrema direita? As políticas sociais do governo federal e o fortalecimento de um projeto político democrático nos estados e no Congresso Nacional poderão frear a extrema direita no Brasil?

Essa é a grande questão. Não acredito que cientistas sociais, filósofos políticos, antropólogos, dentre outros devamos nos comprometer em traçar prognósticos. Ao contrário da medicina e áreas afins, o pensamento reflexivo não produz bons prognósticos, apesar de edificar belos diagnósticos. Isso me lembra, inclusive, uma clássica frase de Hegel: “A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”, ou seja, o pensamento reflexivo parte de uma realidade dada, algo cingido no tempo.

Mas vou ousar aqui uma análise, depois da premissa acima. Penso, particularmente, que a extrema-direita veio para ficar. Sempre houve uma parcela da população com esses valores e que se escamoteava de alguma maneira. Bolsonaro surgiu e conseguiu capitanear este sentimento há tempos presente, mas escamoteado por uma parcela significativa da sociedade. O bolsonarismo não veio de Marte e somente teve êxitos eleitorais porque encontrou eco na sociedade brasileira.

Não acredito que o bolsonarismo arrefeça com o sucesso das políticas sociais do governo ou com a construção de uma grande concertação democrática ou uma Frente Ampla. O buraco é mais embaixo, como diz o ditado popular. Há um livro recentemente lançado pelo Felipe Nunes e o Thomas Traumann que mostram bem isso (o livro se chama: Biografia do Abismo, como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil). O bolsonarismo, inclusive, tem tempo e potencial de se reinventar com alguém menos polêmico e mais envernizado, o que pode ser ainda mais perigoso para a ordem democrática. Mas o fato de termos um tecido social traumatizado e uma extrema-direita viva, não quer dizer que tenhamos de ficar com os braços cruzados. Ao contrário, é dever de todo democrata fazer alertas, advertir as pessoas e esclarecer os riscos que a sociedade brasileira corre.

7. Em Itaúna, como você sabe, há uma tendência considerável de alcance de poder pela direita, alimentada por um bolsonarismo formado por “cristãos conservadores” e jovens que “odeiam política”. As demais forças políticas terão espaço nessa nova onda? De que forma isso será possível?

Uma coisa que quero deixar claro: extrema-direita não é direita. A direita clássica, o liberalismo, nada tem que ver com o bolsonarismo. O liberalismo, por exemplo, é totalmente favorável às liberdades individuais e o moralismo bolsonarista é uma afronta a qualquer liberal. Do mesmo modo, o conservadorismo, que é uma corrente política totalmente alinhada com a defesa das instituições, não tem nada que ver com o bolsonarismo que, por sua vez, implode toda a institucionalidade.

O bolsonarismo, por tudo isso, faz uma espécie de apologia à ignorância, dinamita os conceitos, os princípios e se vale apenas de uma narrativa muito superficial, mas que atinge eficientemente a muitas pessoas por uma série de razões, algumas das quais exponho no livro.

A extrema-direita somente será vencida se a sociedade brasileira tiver capacidade de olhar para si mesma, refletir, fugir do discurso fácil do ódio à política. Esse discurso mesmo é de uma irracionalidade completa. Como pode alguém como Jair Bolsonaro, um deputado por décadas e acostumado a todas as velhas práticas políticas, cuja família inteira se serve das benesses do poder, se colocar como alguém antissistema? É a narrativa acima de qualquer racionalidade. Por isso digo que a razão quando vem à tona vence o bolsonarismo facilmente.

Dito isso, é importante que as forças políticas brasileiras apresentem soluções e demonstrem que nem todos que são contrários ao bolsonarismo são petistas ou lulistas. Isso é falacioso e apenas alimenta o discurso polarizador. É muito importante também que as pessoas saibam que entre o neoliberalismo autoritário (representado no Brasil pelo bolsonarismo) e o socialismo revolucionário, há várias outras possibilidades. Há a social-democracia, por exemplo, o trabalhismo, o nacional-desenvolvimentismo, o liberalismo social, o socialismo democrático, o comunitarismo, dentre outros. É falacioso dizer que apenas Bolsonaro e seus asseclas são capazes de vocalizar, por exemplo, as questões relacionadas ao conservadorismo no Brasil. Pelo contrário, como disse anteriormente, o bolsonarismo não é conservador na essência e tampouco liberal. O bolsonarismo é, em seu cerne, um movimento protofascista e autoritário.

Portanto, é possível e desejável que as parcelas da população de Itaúna e de outras cidades Brasil afora que se identificam com o bolsonarismo hoje, encontrem outros matizes políticos para se identificar. Isso, no entanto, não vai acontecer automaticamente. É fundamental que a direita democrática brasileira também se reorganize e tenha a capacidade de dialogar com amplos setores da sociedade que encontram no bolsonarismo a salvaguarda para os seus valores, como os evangélicos por exemplo.

De todo modo, sempre haverá um percentual considerável que se identificará com a extrema direita. Isso se dará no Brasil e em outros países do mundo, a própria Itália, a Hungria e a Polônia possuem uma extrema-direita muito capilarizada hoje.

A longo prazo, há apenas uma solução: uma educação libertadora e emancipadora de consciências. Num curto prazo, é importante que a institucionalidade funcione, que o Ministério Pública e o Judiciário coíbam os abusos e as práticas autoritárias e que os partidos políticos consigam dialogar com a sociedade, oferecendo soluções e defendendo a ordem democrática. O caminho não é fácil. Como pesquisador e intelectual, não prevejo que os anos vindouros sejam tranquilos. Por outro lado, como gestor e militante, sinto-me desafiado a fazer a minha parte e a trabalhar pela racionalidade e pela consciência das pessoas. É o que devemos fazer todos os democratas deste país.

Eu sei que a resposta está grande, mas preciso acrescentar mais uma coisa aqui: as cidades não podem cair na armadilha dessa polarização nacional. Por uma razão muito simples: a pauta de costumes, a questão econômica e outras temáticas que podem polarizar lá em cima não têm nada a ver com a realidade aqui em baixo, nos municípios. Para que existem vereadores, prefeito e vice? Para cuidarem da realidade local, investirem em escolas de qualidade, saúde básica e secundária eficientes, infraestrutura urbana e rural adequadas, zeladoria bem feita etc. Esse discurso nacionalizado é uma armadilha nas eleições de 2024. Espero que Itaúna e outras cidades não caiam nisso e saibam escolher bons gestores e não políticos retóricos. Se alguém quiser discutir pauta nacional nas eleições de 2024, que se candidate a deputado federal, senador ou presidente da República.

Muito obrigado ao Jornal S’PASSO pelo espaço. Um abraço a todas e todos os itaunenses. Tenho uma relação muito forte e de admiração para com a cidade.

PS: Para quem quiser adquirir o livro “Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo”, basta procurar no Google e escolher a melhor oferta. Está à venda nos principais marketplaces e livrarias do país.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Lançamento de Neoliberalismo Autoritário repercute na imprensa mineira

 O novo livro ainda não foi lançado oficialmente, mas a repercussão já está acontecendo em destacados vários veículos de comunicação em Minas Gerais. Dentre os veículos de comunicação a repercutir o lançamento estão o Portal Minas 1, o Blog do PCO (Paulo César Oliveira), o Blog do Lindenberg, o Jornal Spasso e o Portal Sagarana.


Neoliberalismo Autoritário, novo livro de Alisson Diego.
Foto: Divulgação

"Neoliberalismo Autoritário: a racionalidade que gerou o bolsonarismo" será lançado na próxima sexta-feira (08/12) às 17h00 no Café com Letras, na Savassi em BH. A obra lança luzes sobre a racionalidade sociopolítica que contribuiu para o surgimento da extrema direita no país e trata o neoliberalismo não apenas em sua faceta econômica como também social, cultural e política. O autor explora a conexão entre o autoritarismo e o neoliberalismo, desafiando conceitos e desmistificando a tradição cultural e política como as únicas causas do "autoritarismo brasileiro" e busca compreender não apenas a racionalidade neoliberal, mas também a sua relação intrínseca com a essência do bolsonarismo. "Não ignoro a importância do culturalismo em nossa formação política; isso precisa ficar claro, mas não penso ser adequado tratar a hierarquização da sociedade, o imobilismo social e as tendências autoritárias como sendo apenas heranças históricas; há um componente fundamental na atualidade: a ambiência neoliberal", explica Alisson Diego.


A seguir alguns links sobre o lançamento do livro:

- https://minas1.com.br/posts/politica/ex-prefeito-alisson-diego-lanca-novo-livro-nesta-semana-em-bh

- https://blogdolindenberg.com.br/livro-explora-as-raizes-do-bolsonarismo-e-sua-correlacao-com-o-sistema-neoliberal-neoliberalismo-autoritario-a-racionalidade-que-gerou-o-bolsonarismo/

- https://blogdopco.com.br/fique-por-dentro/alisson-diego-lanca-o-livro-neoliberalismo-autoritario/

- https://www.sagarananoticias.com.br/post/ex-prefeito-alisson-diego-lan%C3%A7a-novo-livro-na-pr%C3%B3xima-semana-em-bh

- https://jornalspasso.com.br/alisson-diego-lanca-livro-em-belo-horizonte/






domingo, 24 de setembro de 2023

Entrevista ao Estadão

 Uma série de reportagens está sendo produzida por um dos maiores jornais do Brasil, o Estadão, abordando a situação do país e os desafios enfrentados pelo Brasil. Na matéria deste domingo, a segunda da referida série, o enfoque se dá nos municípios. 


Fui entrevistado pelo jornalista Daniel Weterman e mencionei a falta de planejamento público como um dos problemas estruturais das prefeituras brasileiras. 


A seguir o print com um trecho de minha entrevista e, abaixo, o link da matéria.

Segue link da matéria completa: Estadão


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Matéria é destaque na capa do website do Estadão em 24 de setembro de 2023:




segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Direito e Políticas Públicas: uma interface necessária *

* Alisson Diego Batista Moraes


** Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico - Conjur, em 05 de agosto de 2023. Link para acesso ao artigo original: Conjur - Alisson Moraes


Durante os cinco anos de graduação em Direito, não tive a oportunidade de estudar, sequer superficialmente, a temática das políticas públicas e a sua interface com o universo jurídico. Nem ao menos me lembro de a expressão “políticas públicas” ter sido, em algum momento, abordada ao longo dos dez períodos de faculdade. Nesta terceira década do século XXI, muitos discentes já compreenderam que não é possível conceber, adequadamente, a missão do Direito na contemporaneidade sem, necessariamente, incluir as discussões conceituais acerca das políticas públicas e suas correlações seminais com o âmbito jurídico. 

    As faculdades de direito, mais notadamente as cátedras de Direito Administrativo e Direito Constitucional, ao omitirem essa temática, provocam um déficit formacional significativo nos futuros operadores do direito. Este breve artigo almeja instigar esse debate e despertar o interesse dos leitores do Conjur para esta relação, muito mais necessária e essencial do que se pode imaginar. Há cerca de um ano, tenho ministrado aulas na disciplina “Contexto Jurídico-Político e Gestão na Administração Pública Contemporânea” na pós-graduação lato sensu em Direito Administrativo da PUC-Minas. O curso se sustenta em três pilares: 1) a governança e a gestão, compreendidas como sistemas que visam ao alcance de objetivos previamente definidos, com a consequente eficientização da administração pública; 2) perspectivas sociopolíticas acerca dos desafios da democracia no Brasil e no mundo; e 3) o modo pelo qual o ordenamento jurídico brasileiro e, especialmente, o Direito Administrativo se vinculam aos outros dois pilares.


Banco de imagens - Pixbay / 2023.

    O conteúdo programático da disciplina traz uma unidade inteiramente dedicada à interface entre o Direito e as políticas públicas (abrangido no primeiro pilar explicitado no parágrafo anterior), apresentando autores clássicos do campo multidisciplinar das políticas públicas, a evolução dessa conceituação, desde a década de 1950, e algumas das discussões contemporâneas mais candentes sobre a interface entre essas duas áreas do conhecimento. 


    Compreender a temática exige examinar a diferenciação entre as políticas públicas e as políticas governamentais, a definição de problema público, os conceitos sobre as macrodiretrizes estratégicas – e sua subdivisão tática e operacional em programas, projetos e ações - inseridas na esfera do planejamento governamental, além de analisar o papel das legislações orçamentárias na consecução das políticas; bem como investigar, criticamente, a ambiência geratriz delas, na qual os interesses, as preferências e as ideias sobre as políticas públicas se materializam, impactando na condução política da sociedade. 

    Outro aspecto relevante a ser conhecido pelos operadores do direito diz respeito ao processo de elaboração de políticas públicas ou policy making process (também conhecido como Ciclo de Políticas Públicas). Trata-se de um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes. Seu proponente precursor foi o cientista político estadunidense Harold D Lasswell no livro The Decision Process , posteriormente revisto, criticado e aprimorado por diversos autores até os dias atuais. Uma das formatações mais aceitas no Brasil considera que estas são as etapas do ciclo (SECHI, 2022): 1) Identificação do problema; 2) Formação da agenda; 3) Formulação de alternativas; 4) Tomada de decisão; 5) Implementação; 6) Avaliação; e 7) Extinção.

    Nota-se, desde a primeira etapa do ciclo de políticas públicas até a última, a indispensabilidade da atuação do operador do direito. Não apenas para forjar uma linguagem jurídica aos atos emanados pela Administração Pública (revestindo-os de legalidade) como também para a observância legal e constitucional do mérito das políticas públicas – a partir a identificação do problema público e o método desta identificação, até a extinção da política pública. A interface entre o Direito e as Políticas Públicas, portanto, precisa ser vista, holisticamente, tendo como fundamento o próprio cumprimento dos desígnios constitucionais: 


Ao constitucionalizar fins, objetos e projetos para a sociedade por intermédio das políticas públicas, optou-se por um Estado não apenas regulador e garantidor da coesão social, mas também protetor. Essa percepção condiciona certos posicionamentos no âmbito das políticas públicas, determinando quais programas de ação governamental poderão ser iniciados, interrompidos, alterados ou prosseguidos. (Valle, 2009, apud Ximenes, Julia Maurmann, 2021). 


    Como um campo relativamente novo, as relações entre o direito e as políticas públicas no Brasil foram exploradas, visionariamente, na década de 1990, por Maria Paula Dallari Bucci ; ainda que o foco da professora tenha sido majoritariamente o direito administrativo e não amplamente o direito concebido holisticamente. Desde então, o número de publicações sobre a temática correlacionada tem expandido significativamente; reunindo, atualmente, livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado, além de dezenas de artigos científicos.

    Há de se ressaltar, contemporaneamente, o protagonismo do Grupo Direito e Políticas Públicas (GDPP) da USP, responsável por promover um debate acadêmico fundamental sobre o papel do direito na implementação das políticas públicas, objetivando examiná-las sob a ótica jurídica para torná-las mais efetivas e democráticas, na esteira do mister constitucional. O GDPP foi criado pela Faculdade de Direito da USP em 2007, e tem contribuído ativamente para esse incipiente diálogo no Brasil, possibilitando o aclaramento das relações entre o arcabouço jurídico e a atuação dos profissionais do direito nas políticas públicas. 

    Numa interpretação exegética extensiva (e correta, a nosso ver) do artigo 133 da Constituição Federal, o advogado precisa ser compreendido como um profissional indispensável à manutenção e ao aprimoramento da própria ordem democrática. Assim, o operador do direito (para além mesmo do próprio advogado) deve, imprescindivelmente, não apenas conhecer sobre as políticas públicas, mas também atuar no sentido de seu aperfeiçoamento constante – o que, por si só, revela-se conditio sine qua non para a evolução do Estado Democrático de Direito, uma conceituação tão utópica quanto necessária para a realização do mister constitucional de se construir, no Brasil, uma sociedade livre, justa e solidária, conforme dispõe o legislador constituinte no artigo 3º, I da Carta Magna.


REFERÊNCIAS

BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997. 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.  Artigos 3º, I e 133. 

LASSWELL, Harold. The Decision Process: Seven Categories of Functional Analysis. College Park: University of Maryland, 1956. 

SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2022. Valle, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 

XIMENES, Julia Maurmann. Direito e políticas públicas / Julia Maurmann Ximenes. – Brasília: Enap, 2021.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Entrevista ao Jornal Estado de Minas - Reforma Tributária

 

A reforma tributária tem sido uma das temáticas políticas e econômicas mais relevantes das últimas semanas e talvez seja a maior aposta do Governo Federal neste ano. Conversei com a jornalista Alessandra Mello, do Jornal Estado de Minas, no dia 18 de julho de 2023.

Seguem trechos que destacam minha preocupação enquanto secretário de Fazenda de Nova Lima-MG. 

Ressalto que, apesar das preocupações, sou plenamente favorável à aludida reforma, mas espero aperfeiçoamentos no texto da projeto nesta nova fase de apreciação no Senado Federal.







Link da matéria - Estado de Minas 18-07